sexta-feira, 14 de agosto de 2009

La vie est un roman

Descrever o cinema de Alain Resnais é quase uma tarefa redundante, uma vez que o cineasta sempre manteve relações muito próximas com o conhecido 'cinema poético', que segue um pouco a Geração de 30 do cinema francês mas com um toque menos psicologista. Portanto, transformar em palavras aquilo que vemos na tela não é tão necessário, uma vez que as obras se explicam não somente através das imagens em si mas nos diálogos, na ideia, e nas citações.

Quero falar de um filme em particular, chamado A Vida é Um Romance, que assisti recentemente. O filme é de 1982, e conta com a participação de atores conhecidos como Geraldine Chaplin e Ruggero Raimondi.
Através da ideia título - A Vida é Um Romance - somos transportados para as envolventes histórias que compõem o filme. O pesonagem principal é o castelo em que as situações se desenrolam - o chatêau em questão é o palco de três enredos que vão evoluindo paralelamente. Um conta uma saga mística, provavelmente ocorrida há milênios, talvez séculos, ou milhares de anos, de um mundo onde a morte é um pavor, monstros aterradores são sacrificados e a população aplaude execuções públicas. A segunda, que abre o filme, nos conta sobre a 'construção' desse castelo em 1914, véspera da Guerra(é importante perceber que o castelo não é de fato construído nessa data, apenas metaforicamente. A ideia desse lugar já existia nos primórdios da civilização, quando monstros ainda habitavam o planeta e o misterioso imperava sobre o mundo).
A terceira história é a atual, em que o castelo em questão foi transformado em uma escola com proposta alternativa de estudo, chamada Educação pela Civilização. Lá é onde inúmeros professores debatem sobre formas mais eficazes de incentivar a imaginação da criança e deixá-la livre para sonhar. Nos deparamos com algo irônico - dezenas de professores num castelo gigante e opulente com apenas quatro crianças como estudantes.
A partir dessas três histórias - a 'medieval', a do início do século, e atual, Resnais constroi uma obra-prima absoluta do cinema, esquecida e pouco valorizada. No conto de 1914, quando o castelo é inaugurado, a bela consrução é interditada pela Guerra e, anos depois, o dono do palácio reúne seus amigos e faz um belo discurso, no qual diz se sentir frustrado e decepcionado pelo resultado da guerra avassaladora, pela perda de amigos e entes, por de sua fortuna própria e pela infelicidade humana. Angustiado por essa ideia, propõe que os interessados se hospedem no castelo e aceitem fazer tudo o que o anfitrião exigir. Os que concordam, se deparam com um método "nunca antes visto na Europa" que promete renascer os intrigados pela ideia. Assim, os homens e mulheres nasceriam despidos de qualquer sentimento infeliz, compostos apenas por tudo o que traria amor e felicidade.
A terceira história, além de trazer o debate sobre novas metodologias de ensino, traz consigo a aventura amorosa da professora Rousseau (claro, o nome não é à toa).


Sem dar muito mais detalhes desse filme magnífico, o que se pode inferir disso tudo é a reflexão genial
que o diretor faz do plano utópico da felicidade absoluta. Ao nos trazer três histórias de diferentes períodos da história da civilização, aquela que ainda acreditava no misticismo, aquela que se desesperançou com a guerra e aquela que propõe maneiras inéditas e quiçá, mais produtivas de se excitar o intelecto humano,
cabe a nós espectadores captar a mensagem sublime que o diretor nos quer transmitir. E daí o termo 'cinema poético' - as dicas estão não apenas nessas histórias - mas nos elementos visuais adotados para transmitir essa ideiais. O filme é de uma beleza gráfica única - e muitas vezes entrecortado por cenas musicais, o que nos surpreende logo de cara. Nunca imaginaríamos ver os personagens em questão em algo muito próximo de um musical. E o mais expecepcional de tudo - sem parecer cafona, duvidoso na intenção ou eclético demais, Alain Resnais nos agracia com uma obra que sem dúvida, encantará aqueles que já eram encantados por obras absolutas suas como Hirohsima, Mon Amour e L'année Dernière à Marienbad.

A mensagem que nos resulta é exatamente aquela do título - A Vida é um Romance. E Resnais nos diz mais - la vie est un roman especialmente para aqueles que recém-descobriram o romance. E assim, podemos entender: aquela primeira história nada mais passa do que um belo conto de fadas - e os números musicais nos remetem àquela felicidade transbordante que os filmes desse gênero inevitavelmente emanam. A segunda história nos mostra como a felicidade absoluta é infeliz e impossível. A última história nos dá outra visão: a de que talvez possamos conhecê-la. E o filme se encerra com o questionamento ingênuo das crianças que repetem as frases dos adultos em dois planos seguidos do filme: La vie est un roman.. la vie n'est pas un roman. O que ela é, afinal?

Com certeza, um dos melhores filmes franceses de todos os tempos.

sábado, 8 de agosto de 2009

Cul-de-Sac

Quando Roman Polanski primeiramente apareceu, ele fazia parte de um grupo de teatro, até ter uma certa notablidade no primeiro filme da "Trilogia da Guerra" não-planejada de Andrej Wajda. Em Kanal, Roman já daria mostrar de que sua expressividade na tela não viria apenas por meio da atuação, mas por trás também de quem atua.

Ganhou fama internacional ao dirigir o filme de terror "O Bebê de Rosemary", com Mia Farrow no auge de sua carreira, lançando tendências no mundo com seu cabelo curtinho e estiloso. Mas o filme não deu apenas um 'up' na moda - Roman provou que o gênero terror pode se manifestar no campo do psicológico, aquele que apresenta os maiores monstros, os fantasmas da mente - e não necessariamente através de criaturas horrendas e desfiguradas (basta lembrar que até 1968, ano de lançamento dessa obra-prima, o mundo já tinha visto umas trinta mil adaptações de Drácula e Frankenstein).
Roman apavorou gerações com o demoníaco filho de Rosemary - e ainda há quem jure ter visto seu rosto em determinadas partes do filme. Poderíamos dizer que ele foi o pai do terror psicológico - assim como anos mais tarde, Williem Friedkin seria a mola propulsora do terro explícito com 'O Exorcista'.


Recentemente, o filme 'O Pianista' também fez sucesso ao redor do globo - com as impactantes cenas de crueldade nazista, o intenso teor dramático e a atuação sublime de Adrien Brody, que consagrou-se após o lançamento do longa.

Pouco antes de Rosemary's Baby, Roman fez uma obra fantástica chamada 'Repulsion' - Repulsa ao Sexo, com uma Catherine Deneuve linda e numa obra estranha, inovadora como sempre e muito intrigante. No filme, ela interpreta uma mulher que se esquiva de todos os homens que a paqueram - e a partir de então, passa a ter estranhas alucinações no apartamento que mora. Foi o primeiro filme de terror que Roman fez, talvez no experimentalismo posteriormente formalizado em Bebê de Rosemary.

Roman ainda fez filmes digníssimos de atenção, como Chinatown - com Faye Dunaway também no auge da beleza e Jack Nicholson, num filme noir memorável. 'Lua de Fel' tem fãs apaixonados, com roteiro dramático e único.
Fez ainda uma respeitada adaptação de 'Macbeth', de Shakespeare.

Polanski conseguiu como ninguém imprimir a seus filmes uma marca inconfundível, em filmes às vezes difíceis de se penetrar, numa atmosfera muito particular do diretor. Cul-de-Sac, por exemplo, nos mostra claramente isso: uma trama de humor negro inusitada e muito original, que descamba pro dramático nos últimos 25 minutos.
Particularmente, não gosto de maioria de seus filmes. No entanto, é um dos maiores diretores de cinema ainda vivos - pelo menos da antiga geração de cinema, dos anos 60 - e que, apesar de ter se aventurado por diversos gêneros, nunca apelou para a facilidade dos filmes comerciais e manteve sempre suas características essenciais.